Sabe aquelas noites frias em que você se encolhe debaixo das
cobertas e só depois percebe que esqueceu de colocar meias? Seus pés
estão gelados, ao mesmo tempo em que você não está ruim de um todo. Você está
aquecido, só os pés estão gelados. Depois de um tempo, os pés gelados parecem não
te deixar mais confortável. O momento da consciência do desconforto até a
coragem de levantar para pegar as meias é a nossa relação. Não é ruim de um
todo, mas quando você decide levantar e pegar as meias, percebe que ter pés aquecidos é melhor.
sexta-feira, 24 de outubro de 2014
domingo, 10 de agosto de 2014
Reflexo
Aconteceu, não foi mais possível negar. Se negar, por vezes,
é o que resta, sentir tanto complica toda a situação. Os beijos, os abraços, os
apertos – esses poderiam ser negados, ignorados, numa tentativa de, talvez,
esquecê-los. Mas as sensações, sempre as sensações. Não se trata do melhor
beijo, nem do abraço mais aconchegante, nem dos olhos mais brilhantes. É o que
se sente. É daquelas coisas que Shakespeare deve ter querido dizer, porque “há
mais coisas entre o céu e a Terra do que supõe nossa vã filosofia”. Então te
transformo em fantasma, porque você me assombra, me faz querer fugir, me faz
querer tomar decisões do tipo: olha, isso já foi longe demais. “Não se
martirize”. Não é martírio moral. Ou é. Só que pouco. É martírio de
incompletude. Porque você não deveria chegar e me fazer repensar nos caras tão
legais e atenciosos que querem me fazer feliz. Esses caras que me compreendem,
mas nunca vão me entender. Consegue ver? A diferença entre entender e compreender.
Veja só, deixo meu copo de cerveja esquentar para pensar nessas frágeis diferenças
e nesses clichês que fazem parte do meu ser. Compreender, entender. “Vou
dormir, preciso pensar em tudo o que aconteceu aqui”. Não tem o que pensar. A
vida é repleta de polaridades, só que nem todas somam. Consegue entender o que
é polaridade? Aquilo que atrai, que faz querer estar perto. Mas somar, não
soma. Às vezes subtrai, em outras divide... “Estou te poupando de muitas
lágrimas e sofrimentos”. Para um conto, poderia reconstituir a noite e pensar
num desfecho. Para uma crônica, poderia pensar sobre as situações inevitáveis
da vida. Para um romance, me esforçaria para estender diversas situações que,
provavelmente, não teriam um final feliz. O poema eu deixo pra você. Fica assim:
eu com minhas linhas tortas e vulgares, você com seus versos livres e encantadores.
segunda-feira, 4 de agosto de 2014
Espelho
Eu não fiquei com você. Nem vi
você me olhando de canto de olho durante uma festa. Eu não deixei você pegar
minha mão. Nem deixei você me segurar nos seus braços. Eu não conversei com
você. Muito menos permiti que você ficasse grudado em mim na pista de dança. Eu
não procurei o seu olhar. Nem deixei você falar no meu ouvido qualquer
comentário sobre alguma pessoa. Eu não fui lá fora com você. Nem deixei que
você queimasse meu vestido com a ponta de um cigarro. Eu não falei sobre mim.
Nem ouvi os seus galanteios ou qualquer coisa sobre sua vida. Eu não te olhei
nos olhos. Nem deixei que você olhasse nos meus. Eu não aceitei nenhum pedido. Nem
ouvi qualquer elogio. Eu não ri de nenhuma piada. Muito menos borrei meu batom.
Eu não te beijei. Nem me deixei ser beijada. Eu não te abracei. Nem me deixei
ser abraçada. Eu não me rendi. Nem deixei que você se rendesse. Eu realmente não
deixei que você me cheirasse e me apertasse. Eu nem sei que você existe. Nada
aconteceu.
quinta-feira, 31 de julho de 2014
Aquilo que passa
Ele senta do meu lado e eu penso que deveria ter feito as
unhas, porque, assim, de cabeça baixa, restam poucos lugares para ele repousar
os olhos – minha mão e meu aparelho tecnológico cheio de músicas. Toda vez que
o ônibus mexe demais, ele não se importa que meus ombros, tão pesados naquele
dia, encoste nos dele. O cheiro do meu xampu de frutas vermelhas chega aos seus
sentidos por meio dos ventos daquele dia de inverno com sol. Quase pude ver um
sorriso toda vez que inclinava um pouco o rosto e o dele virava, me deixando
como campo de visão uma barba mal feita, que dava vontade de arrumar. Meu quadril,
numa tentativa de se ajeitar no banco pequeno, bate numa mão inquieta. Ele levanta.
Eu ainda permaneço sem conseguir olhá-lo. Mas ele olha. Para trás. Levanto o
olhar, mas não a cabeça. Ele sorri. Desce. Procura meu olhar mesmo de longe. Eu
não olho. Para olhar precisaria olhar para trás. Eu quase nunca olho para
trás.
sexta-feira, 25 de julho de 2014
Sobre sentir: não se desculpem
Se formos viver tudo que aparece
na nossa frente, acabaríamos caindo num vácuo, num vazio sem fim. Por isso
trata-se de escolha. “Escolhi estar com você”. Escolhi... Mesmo não sabendo
como serão as próximas horas, quem dirá o próximo dia, a próxima semana. E não
me peça para dizer que não estou envolvida. Sou humana. Tenho sentimentos. Eu
me envolvo. Depois de alguns beijos e umas noites mal dormidas, porém
aconchegantes. Porque eu sou humana e a impressão que dá é que, por vezes, há
que se pedir desculpa por se envolver. “Desculpa, me perdoa por esse deslize –
me envolvi”. Não façamos isso. Não escondamos tantos nossos sentimentos.
Demonstremos, sim, o quanto estamos interessados! Não confundamos liberdade com
insensibilidade. Ninguém precisa se casar depois de uns beijos, ninguém precisa
se prender – sem querer – depois de alguns encontros. Mas não caiam na tristeza
de viver histórias individuais o bastante para deixá-los, enfim e infelizmente,
menos humanos, menos cheios, menos inspirados. Decidam! Optem pelos caminhos
que te façam transbordar mais amor e alegria e, quando conseguirem isso, tratem
de compartilhar. Relacionar-se tem que ter qualquer coisa disso: de partilha e
de emoção. E de amor, por que não? Amor no sentido mais amplo. Não se prendam a
tantas construções sociais. Falaram, sim, para você, que alguém fica mais
interessado quando você ignora, quando você deixa de correr atrás,
quando você é difícil. Bobeira! Pessoas de verdade – e aqui não consigo fugir
desse clichê mal explicado com um pouquinho de juízo de valor – querem apenas
se elevar. E uma relação tem que trazer isso – mudança. Que dói, melhora, fortifica e, sobretudo, humaniza.
sexta-feira, 13 de junho de 2014
Se as estrelas não brilham da primeira vez
Estava
começando a aceitar que boa parte das coisas são ilógicas, mas não podia negar:
adorava quando tudo fazia sentido. Depois de abrir os olhos pausadamente, como que
com receio de abri-los e lembrar-se de todos os acontecimentos da noite
anterior, apalpou o pescoço para certificar-se que seu colar ainda estava no
lugar que deveria estar. Levava no peito um pingente em formato de chave e
explicava o sentido daquilo raramente. Abriu a janela, sentiu cheiro de chuva e
melancolia: o dia estava lilás.
Pegou
uma xícara de chá gelado e pôs-se a pensar. Teve a impressão de que a vida é um
eterno comparar e ponderou: talvez por isso a ignorância seja uma benção. Essa
frase vinha sendo recorrente na sua semana. Se não conhece, não sente falta, se
não conhece o melhor, não se importa em ter o pior. Considerações bobas, fáceis
e até infantis. Pensou que continuava testando e não se importava tanto assim.
Mas todos sabem que quem realmente não se importa, nem pensa na possibilidade
de dizer que não se importa. Sentiu uma angústia da vida. Um velho sentimento
que conhecia bem. Ela, que nem tinha tanto conhecimento, já queria muito. Como
é que seria? Depois sentiu que outra sensação estava chegando. Arrumou o cabelo,
despenteando seus cachos desgrenhados pelo sono da manhã, e logo ela apareceu:
a culpa pela insatisfação crônica, seguida de um sentimento confuso, de pensar
que, talvez, devesse diminuir seu senso crítico em relação à vida.
O equilíbrio que havia começado a buscar – por diversos meios e de diversas formas – a fez entender cedo que não precisa viver, no sentido de vivenciar, para saber. A experiência dos outros é um prato cheio pra quem apenas se propõe a ajudar quem quebrou a cara – e preserva a sua. Mas tem o outro lado, ela precisava viver, e viver é sentir, e sentir tem que ser qualquer coisa além de desânimo. Como quando o palhaço distrai a platéia para que arrumem o palco. É escolha. Cada um decide para onde vai olhar: para o espetáculo ou para a arrumação. Bethania estava sempre olhando a arrumação, enquanto de plano de fundo ouvia as gargalhadas alheias de uma alegria momentânea, que não era sua.
Nessa onda de epifanias, lembrou-se do que se
esforçava para esquecer. Foi num domingo e já estava na hora de sair. Vestiu
seu fone de ouvido – e nesse momento achava que estava invisível – e avistou ao
longe o que seria sua alegria momentânea e permanente, mas não eterna. Olhou
como se não pudesse ser olhada e, mais que olhares se cruzando, as íris de
ambos se fundiram. O mel no verde e uma única pupila. Que se dilatou. Antes
mesmo de se aproximarem, pensou como seria quando chorassem. As lágrimas seriam
divididas ou multiplicadas? Pouco sabia.
E nesse caso não pensou que não se importava. E foi assim que seu pingente
passou um bom tempo no bolso daquele rapaz.
Mania humana de por a culpa em um acontecimento que – parece – desencadeia vários outros, negando qualquer força outra que não seja explicada pelas leis mundanas, ela quase amaldiçoava aquele dia. Acabou o chá e começou a rotina diária de lembranças. Fundir outras partes do corpo com outros rapazes não deveria ser tão difícil. A ignorância é uma benção. Quem não conhece o melhor, não se importa em ter o pior. Bethania sabia. Nem tinha tanto conhecimento e já queria muito. Como é que seria? Cada parte do seu corpo ouvia os sussurros de cada parte de outro corpo. Aquele corpo. Aquela fusão.
sexta-feira, 6 de junho de 2014
A ciência explica
Muito se diz sobre a minha vida. Sou conhecida como a bela
adormecida. O bela eu aceito de bom grado, já o adormecida não está entre os
meus adjetivos preferidos. Conta-se sobre a minha história: “era uma vez uma
rainha e um rei muito tristes porque não tinham filhos. Até que um dia nasceu
uma linda princesinha que eles chamaram de Aurora”. Pois bem, chamem-me de
Aurora, meu nome registrado, e não dessa alcunha popular que não teve o meu
consentimento. Dizem que no dia do meu batizado, vieram três fadas madrinhas,
Fauna, Flora e Primavera. Para o bem da verdade, elas são três moças muito
queridas, mas fadas madrinhas?? Contam por ai que uma me deu uma grande beleza
e a outra um maravilhoso dom para o canto, mas, por Deus, quem me deu isso
foram os genes dos meus pais! A ciência explica. Convenhamos, fada madrinha que
é fada madrinha, transforma abóbora em carruagem. Mas ainda tem um absurdo
maior: a tal da bruxa. A Malévola não passa de uma moça ressentida por achar
que não foi convidada para uma festa. Mas a parte que ninguém mostra é que ela
foi convidada, sim! O convite apenas não chegou por motivos de que o correio do
reino é muito incompetente. Malditos serviços públicos! Extraviaram a carta da
coitada que, em um surto de raiva, chegou no meio da festa como intrusa – sendo
que seu nome estava na lista – e lançou a mim algumas injúrias. O jornal do
reino, sensacionalista e sem pudores, publicou: “Bruxa Malévola lança feitiço
em inocente princesa”. Como era de se esperar, a repercussão foi grande. Para
continuar com a polêmica, inventavam a cada dia uma nova manchete: “Para
alegria de todos, a fada madrinha Primavera suaviza feitiço”. E a notícia
seguia: “Amenizando o feitiço da bruxa má, que dizia que no dia em que completasse
16 anos, Aurora espetaria o dedo no fuso de uma roca de fiar e morreria, fada
madrinha diz que a querida princesa não morrerá, apenas entrará num sono
profundo, do qual só vai despertar com um beijo de amor sincero”. E, para
comentar isso, faltam-me até palavras. É cada situação que me colocam! Infeliz
ou felizmente, preciso tirar toda a magia que essa história inventada possui:
não existe nenhum feitiço, nem bruxas e fadas madrinhas. Muito menos príncipe
ou amor sincero. Eu, Aurora, a querida princesa, a tal da bela adormecida,
durmo muito, sim, e por períodos longos, e a explicação é simples: tenho
distúrbios de sono. Sou narcoléptica!!
quarta-feira, 14 de maio de 2014
Toda a verdade do mundo
Preciso começar dizendo que os bebês sabem de toda a verdade
do mundo. E como nós não sabemos se já fomos bebê? – perguntariam os adultos. E
eu logo lhes responderia: é que acontece um ritual de passagem e as pessoas se
esquecem, assim como se esquecem de várias coisas. Vocês acham que nossa vida é
fácil, mas não sabem o quanto é difícil saber de toda a verdade do mundo e não
poder falar – porque não verbalizamos como os adultos e isso é proposital.
A verdade do mundo
pode ser alcançada pelos adultos, mas apenas se eles a almejarem pelo motivo
certo. É difícil compreender, mas quando deixamos de ser bebês, perdemos a ligação
com a essência. E esse é o motivo pelo qual as pessoas passam a vida em busca
de algo, com a sensação de que lhes falta alguma coisa. Acontece que a maioria
não vai atrás do que realmente precisa, e empobrece seu espírito gradativamente.
Depois do ritual, as pessoas emburrecem – é o que chamam de
primitivismo humano. Aí regras, leis e educação se fazem necessárias. Tudo isso
é de extrema validez, mas o problema é se limitar a isso. Os bebês, como eu,
sabem de toda a verdade do mundo que, por sua vez, nunca deixa de existir
dentro de cada um – apenas perde-se a consciência disso.
A verdade do mundo está dentro de cada um – a solução para
cada problema, o refresco para cada dor. Mas os adultos têm disso, de sempre ir
pelo caminho errado e buscar no lugar inadequado. As pessoas emburrecem e só
retomam a consciência se buscarem elevação espiritual. A essência permanece
dentro das pessoas, mas a ligação está rompida e precisa ser ativada.
Os adultos têm uma mania: a auto sabotagem. Por mais que a
essência reverbere algum sinal indicando o caminho, é comum que os adultos
ignorem esses sentidos para agirem com racionalidade, pois lhes parece mais
seguro. Posso dizer que o objeto certo a se buscar é a sabedoria no seu mais
amplo significado – e isso pouco tem a ver com inteligência, racionalidade ou
intelectualidade.
O porquê de os bebês saberem de toda a verdade do mundo e
depois se esquecerem ainda não me é claro. Estou há algumas horas de fazer a
passagem e estou tentando entender, mas parece que toda a verdade do mundo já
está saindo de mim. Estou ficando angustiado, cheio de dúvidas, confuso e meu
estado de paz parece ficar cada vez mais comprometido.
Ainda em tempo, num lapso de consciência interior, eu diria,
se vocês pudessem me escutar que, para um adulto, alcançar toda a verdade do
mundo é extremamente difícil. É necessário muitas abdicações, nem todos estão
dispostos e reparem: não há mal nenhum nisso. Se o objeto certo a se buscar é a
sabedoria, entendam que querer demais também não é o caminho. Então, eu apenas
lhes diria coisas simples como caminhem pelo raio do amor, busquem harmonia e polaridades
que somam e, mesmo que não alcancem toda – ou nem meia - verdade do mundo, não
percam, em hipótese alguma, o precioso tempo da vida de vocês vivendo ilusões.
domingo, 27 de abril de 2014
Tão normal
Então te
vejo e tenho vontade de dizer: ei, sabia que Don Juan - em alguma obra literária
de algum autor - se matou quando descobriu que nunca conseguiria amar alguém de verdade?
Você provavelmente riria e tentaria se aproximar dos meus lábios. Eu viraria
pra dizer: é sério, ele se matou porque só conseguia mulheres através da
sedução. Aí você se afastaria, porque falar demais te distrai. Eu ainda
continuaria: sabia que existe um complexo que se chama donjuanisno? Consiste na
ideia de homens, mulheres e gays que são apenas conquistadores hedonistas, ou
seja, quando conquistam a pessoa desejada, toda a graça e prazer se esvaem.
Será que você entenderia que, talvez, tudo isso fosse apenas para explicar a
minha recusa e resistência?
Aí eu ia
falar sobre o amor pela mãe, ou melhor, o complexo edipiano que essas pessoas têm.
Afinal, elas não conseguem constituir família e acabam vivendo para sempre no lar materno. Isso pra verificar se você reagiria ou se identificaria. Se sim, iria
falar sobre os sentimentos possivelmente homossexuais que os detentores desse
complexo possuem. Essa parte seria só pra te irritar. Você se irritaria. Mas
ainda chegaria perto, pra dizer no meu ouvido todas as coisas que você sempre
diz, naquela velha tentativa de conseguir o que, aparentemente, deseja tanto. Mas, que pena, agora eu já te diagnostiquei: você tem complexo de Don Juan. Eu
te diagnostiquei, veja só, logo eu, que sou tão normal e não tenho complexo
nenhum.
Vida percorrida
Anita tentou puxar na memória alguma
memória para então perceber que não lida bem com o passado ao mesmo tempo que
não acredita no presente e desconsidera o futuro. Anita jura ao cosmo que tenta
simplificar seus pensamentos e a culpa é das palavras que não dão conta de
cumprir com os seus significados, deixando de evitar tantas flexibilidades.
Presente é efêmero, dura nem um segundo e talvez dure um milésimo que já
passou. Estamos no futuro? Nesse instante seguinte àquele milésimo que acabou
de ser presente e agora é passado? Anita considera que isso não a levará a
algum lugar, deixa de lado essa digressão e retoma a memória.
Memória. Anita poderia lembrar de cenas confusas da sua
infância, tal qual os vídeos em que era gravada e ela não entendia quem ela era
– a aniversariante pequena ou a menina maior? – isso ela só foi entender anos
mais tarde e a explicação era simples: a menina maior era sua prima mais velha
que vestia as roupas que passavam a ser de Anita quando deixavam de servir à
prima mais velha.
Anita poderia lembrar das noites em que não dormia, nem
acordava, mas ficava numa inconsciência entre esses dois estados e tinha
experiências que nem o céu, nem a terra, conseguiu lhe explicar. Se escolhesse
lembrar disso, Anita poderia falar o quanto isso a assustava e como seu corpo
ficava petrificado sem seu sistema nervoso entender que aquilo se tratava do
seu eu espiritual se manifestando. Mas isso é complicado de lidar.
Anita poderia falar sobre seu coelho que fugiu – e nunca mais
apareceu – na páscoa e o quanto isso é irônico e significativo. Poderia falar
do seu hamster que morreu torrado no sol e seu peixe que morreu congelado no
aquário, e o quanto isso é dual e contraditório.
Anita poderia falar de como se sentiu abandonada em uma
viagem que sua mãe fez e a deixou em casa e explicavam a ela que sua mãe logo
voltaria, só estava fazendo um curso em Faxinal do Céu e ela, criança, ficava
mais tranquila pensando na atividade altruísta que sua mãe estava se propondo a
fazer: se é difícil varrer a casa, imagina o varrer o céu.
Anita não quer lembrar de nada disso. Anita não pensa linear,
não escreve linear, não fala linear. Mas, Anita, memória não é passado. Abre aí
mais um arquivo na sua mente e intitula: lem-bran-ças, e desenha florzinhas
coloridas em volta para não esquecer: a vida é feita de memórias. De passado,
não. De memórias! Que são as lembranças, que são sua jornada que nada mais é
que a estrada - a extensão da sua vida que você já percorreu.
terça-feira, 22 de abril de 2014
Sobre esporadicidades-aleatórias-casuais
Então eu poderia começar a falar entre as meias lágrimas que
escorrem e essa voz que embarga deixando poucos rastros de firmeza. Poderia
falar que te excluo das redes sociais porque é o que eu gostaria de fazer na
minha vida. Mas poderia completar falando o quanto isso é inútil, porque não
adianta, todos sabem, não adianta. Poderia falar agora que as lágrimas caem por
inteira, sem mais se segurarem, que eu sou assim, eu me envolvo, entende? Eu me
envolvo mesmo não querendo, mesmo sendo assim, tão fujona, cética, fria, como
você diz vez ou outra só pra tentar me convencer de que o problema sou eu. E o
problema sou eu, sim, sou eu e você, que somos cada um de jeito, daquele jeito
que não se completa de jeito nenhum. Eu poderia falar que você me chateia mais
do que me faz feliz, mas isso te chatearia e mesmo estando chateada, não é o
que eu quero fazer com você. Eu não quero muita coisa, na verdade. Essa
melancolia que se instaura em mim é por mim, que não sei lidar com essas coisas
de relacionamento, não sei fazer essas coisas, assim, casuais, e eu me envolvo,
entende? Me envolvo. Mesmo sendo inteligente o bastante pra saber que não devo,
que você não “merece” e todas essas frases que as meninas iludidas gostam de
falar. Da mesma linha de frases feitas que você tanto usa pra me convencer de tanta
coisa, mas eu sei, entende? Que mesmo que você se dedique o suficiente pra me
convencer de que o problema sou eu, fujona, cética, fria, eu sei que você não
precisa me convencer, porque, claro, o problema é todo meu. É meu. Sou eu! Que
não sei lidar e me envolvo. Eu me envolvo, veja só que coisa mais maluca, eu me
envolvo... Mas eu não quero nada, mesmo, nem falar as frases de efeito que eu
imaginei nos momentos em que você surgiu na minha cabeça nesses últimos dias.
Falaria talvez que temos concepções divergentes sobre ir, de certa forma, mais
além na nossa relação que não existe e poderia questionar várias coisas, desde
“por que você tem essa necessidade – ou má intenção – de falar pra tanta gente
que é apaixonado por mim?”, até “você oferece sua escova de dente para todas as
meninas que perdem a hora por aqui?”, ou poderia dizer que, olha, veja bem, eu
tentei e agora é necessário esclarecer que... Mas não. Isso entedia até a mim.
Então só queria pedir, encarecidamente, pra você parar de me procurar. De
verdade, não tenta mais nada comigo. Essas coisas esporádicas-aleatórias-casuais. Porque
mesmo hesitando muito em dizer, eu preciso falar que, no fim das contas, você
me chateia. Muito mais do que me faz bem.
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