Aconteceu, não foi mais possível negar. Se negar, por vezes,
é o que resta, sentir tanto complica toda a situação. Os beijos, os abraços, os
apertos – esses poderiam ser negados, ignorados, numa tentativa de, talvez,
esquecê-los. Mas as sensações, sempre as sensações. Não se trata do melhor
beijo, nem do abraço mais aconchegante, nem dos olhos mais brilhantes. É o que
se sente. É daquelas coisas que Shakespeare deve ter querido dizer, porque “há
mais coisas entre o céu e a Terra do que supõe nossa vã filosofia”. Então te
transformo em fantasma, porque você me assombra, me faz querer fugir, me faz
querer tomar decisões do tipo: olha, isso já foi longe demais. “Não se
martirize”. Não é martírio moral. Ou é. Só que pouco. É martírio de
incompletude. Porque você não deveria chegar e me fazer repensar nos caras tão
legais e atenciosos que querem me fazer feliz. Esses caras que me compreendem,
mas nunca vão me entender. Consegue ver? A diferença entre entender e compreender.
Veja só, deixo meu copo de cerveja esquentar para pensar nessas frágeis diferenças
e nesses clichês que fazem parte do meu ser. Compreender, entender. “Vou
dormir, preciso pensar em tudo o que aconteceu aqui”. Não tem o que pensar. A
vida é repleta de polaridades, só que nem todas somam. Consegue entender o que
é polaridade? Aquilo que atrai, que faz querer estar perto. Mas somar, não
soma. Às vezes subtrai, em outras divide... “Estou te poupando de muitas
lágrimas e sofrimentos”. Para um conto, poderia reconstituir a noite e pensar
num desfecho. Para uma crônica, poderia pensar sobre as situações inevitáveis
da vida. Para um romance, me esforçaria para estender diversas situações que,
provavelmente, não teriam um final feliz. O poema eu deixo pra você. Fica assim:
eu com minhas linhas tortas e vulgares, você com seus versos livres e encantadores.
domingo, 10 de agosto de 2014
segunda-feira, 4 de agosto de 2014
Espelho
Eu não fiquei com você. Nem vi
você me olhando de canto de olho durante uma festa. Eu não deixei você pegar
minha mão. Nem deixei você me segurar nos seus braços. Eu não conversei com
você. Muito menos permiti que você ficasse grudado em mim na pista de dança. Eu
não procurei o seu olhar. Nem deixei você falar no meu ouvido qualquer
comentário sobre alguma pessoa. Eu não fui lá fora com você. Nem deixei que
você queimasse meu vestido com a ponta de um cigarro. Eu não falei sobre mim.
Nem ouvi os seus galanteios ou qualquer coisa sobre sua vida. Eu não te olhei
nos olhos. Nem deixei que você olhasse nos meus. Eu não aceitei nenhum pedido. Nem
ouvi qualquer elogio. Eu não ri de nenhuma piada. Muito menos borrei meu batom.
Eu não te beijei. Nem me deixei ser beijada. Eu não te abracei. Nem me deixei
ser abraçada. Eu não me rendi. Nem deixei que você se rendesse. Eu realmente não
deixei que você me cheirasse e me apertasse. Eu nem sei que você existe. Nada
aconteceu.
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