domingo, 10 de agosto de 2014

Reflexo

Aconteceu, não foi mais possível negar. Se negar, por vezes, é o que resta, sentir tanto complica toda a situação. Os beijos, os abraços, os apertos – esses poderiam ser negados, ignorados, numa tentativa de, talvez, esquecê-los. Mas as sensações, sempre as sensações. Não se trata do melhor beijo, nem do abraço mais aconchegante, nem dos olhos mais brilhantes. É o que se sente. É daquelas coisas que Shakespeare deve ter querido dizer, porque “há mais coisas entre o céu e a Terra do que supõe nossa vã filosofia”. Então te transformo em fantasma, porque você me assombra, me faz querer fugir, me faz querer tomar decisões do tipo: olha, isso já foi longe demais. “Não se martirize”. Não é martírio moral. Ou é. Só que pouco. É martírio de incompletude. Porque você não deveria chegar e me fazer repensar nos caras tão legais e atenciosos que querem me fazer feliz. Esses caras que me compreendem, mas nunca vão me entender. Consegue ver? A diferença entre entender e compreender. Veja só, deixo meu copo de cerveja esquentar para pensar nessas frágeis diferenças e nesses clichês que fazem parte do meu ser. Compreender, entender. “Vou dormir, preciso pensar em tudo o que aconteceu aqui”. Não tem o que pensar. A vida é repleta de polaridades, só que nem todas somam. Consegue entender o que é polaridade? Aquilo que atrai, que faz querer estar perto. Mas somar, não soma. Às vezes subtrai, em outras divide... “Estou te poupando de muitas lágrimas e sofrimentos”. Para um conto, poderia reconstituir a noite e pensar num desfecho. Para uma crônica, poderia pensar sobre as situações inevitáveis da vida. Para um romance, me esforçaria para estender diversas situações que, provavelmente, não teriam um final feliz. O poema eu deixo pra você. Fica assim: eu com minhas linhas tortas e vulgares, você com seus versos livres e encantadores.

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Espelho

Eu não fiquei com você. Nem vi você me olhando de canto de olho durante uma festa. Eu não deixei você pegar minha mão. Nem deixei você me segurar nos seus braços. Eu não conversei com você. Muito menos permiti que você ficasse grudado em mim na pista de dança. Eu não procurei o seu olhar. Nem deixei você falar no meu ouvido qualquer comentário sobre alguma pessoa. Eu não fui lá fora com você. Nem deixei que você queimasse meu vestido com a ponta de um cigarro. Eu não falei sobre mim. Nem ouvi os seus galanteios ou qualquer coisa sobre sua vida. Eu não te olhei nos olhos. Nem deixei que você olhasse nos meus. Eu não aceitei nenhum pedido. Nem ouvi qualquer elogio. Eu não ri de nenhuma piada. Muito menos borrei meu batom. Eu não te beijei. Nem me deixei ser beijada. Eu não te abracei. Nem me deixei ser abraçada. Eu não me rendi. Nem deixei que você se rendesse. Eu realmente não deixei que você me cheirasse e me apertasse. Eu nem sei que você existe. Nada aconteceu.