sexta-feira, 13 de junho de 2014

Se as estrelas não brilham da primeira vez

Estava começando a aceitar que boa parte das coisas são ilógicas, mas não podia negar: adorava quando tudo fazia sentido. Depois de abrir os olhos pausadamente, como que com receio de abri-los e lembrar-se de todos os acontecimentos da noite anterior, apalpou o pescoço para certificar-se que seu colar ainda estava no lugar que deveria estar. Levava no peito um pingente em formato de chave e explicava o sentido daquilo raramente. Abriu a janela, sentiu cheiro de chuva e melancolia: o dia estava lilás.  

Pegou uma xícara de chá gelado e pôs-se a pensar. Teve a impressão de que a vida é um eterno comparar e ponderou: talvez por isso a ignorância seja uma benção. Essa frase vinha sendo recorrente na sua semana. Se não conhece, não sente falta, se não conhece o melhor, não se importa em ter o pior. Considerações bobas, fáceis e até infantis. Pensou que continuava testando e não se importava tanto assim. Mas todos sabem que quem realmente não se importa, nem pensa na possibilidade de dizer que não se importa. Sentiu uma angústia da vida. Um velho sentimento que conhecia bem. Ela, que nem tinha tanto conhecimento, já queria muito. Como é que seria? Depois sentiu que outra sensação estava chegando. Arrumou o cabelo, despenteando seus cachos desgrenhados pelo sono da manhã, e logo ela apareceu: a culpa pela insatisfação crônica, seguida de um sentimento confuso, de pensar que, talvez, devesse diminuir seu senso crítico em relação à vida. 

O equilíbrio que havia começado a buscar – por diversos meios e de diversas formas – a fez entender cedo que não precisa viver, no sentido de vivenciar, para saber. A experiência dos outros é um prato cheio pra quem apenas se propõe a ajudar quem quebrou a cara – e preserva a sua. Mas tem o outro lado, ela precisava viver, e viver é sentir, e sentir tem que ser qualquer coisa além de desânimo. Como quando o palhaço distrai a platéia para que arrumem o palco. É escolha. Cada um decide para onde vai olhar: para o espetáculo ou para a arrumação. Bethania estava sempre olhando a arrumação, enquanto de plano de fundo ouvia as gargalhadas alheias de uma alegria momentânea, que não era sua.

Nessa onda de epifanias, lembrou-se do que se esforçava para esquecer. Foi num domingo e já estava na hora de sair. Vestiu seu fone de ouvido – e nesse momento achava que estava invisível – e avistou ao longe o que seria sua alegria momentânea e permanente, mas não eterna. Olhou como se não pudesse ser olhada e, mais que olhares se cruzando, as íris de ambos se fundiram. O mel no verde e uma única pupila. Que se dilatou. Antes mesmo de se aproximarem, pensou como seria quando chorassem. As lágrimas seriam divididas ou multiplicadas?  Pouco sabia. E nesse caso não pensou que não se importava. E foi assim que seu pingente passou um bom tempo no bolso daquele rapaz.

Mania humana de por a culpa em um acontecimento que – parece – desencadeia vários outros, negando qualquer força outra que não seja explicada pelas leis mundanas, ela quase amaldiçoava aquele dia. Acabou o chá e começou a rotina diária de lembranças. Fundir outras partes do corpo com outros rapazes não deveria ser tão difícil. A ignorância é uma benção. Quem não conhece o melhor, não se importa em ter o pior. Bethania sabia. Nem tinha tanto conhecimento e já queria muito. Como é que seria? Cada parte do seu corpo ouvia os sussurros de cada parte de outro corpo. Aquele corpo. Aquela fusão.

Um comentário:

  1. vivemos fases, ciclos, momentos, isso não diz o que somos em essência, diz o que estamos.
    vc é uma graça.

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