Muito se diz sobre a minha vida. Sou conhecida como a bela
adormecida. O bela eu aceito de bom grado, já o adormecida não está entre os
meus adjetivos preferidos. Conta-se sobre a minha história: “era uma vez uma
rainha e um rei muito tristes porque não tinham filhos. Até que um dia nasceu
uma linda princesinha que eles chamaram de Aurora”. Pois bem, chamem-me de
Aurora, meu nome registrado, e não dessa alcunha popular que não teve o meu
consentimento. Dizem que no dia do meu batizado, vieram três fadas madrinhas,
Fauna, Flora e Primavera. Para o bem da verdade, elas são três moças muito
queridas, mas fadas madrinhas?? Contam por ai que uma me deu uma grande beleza
e a outra um maravilhoso dom para o canto, mas, por Deus, quem me deu isso
foram os genes dos meus pais! A ciência explica. Convenhamos, fada madrinha que
é fada madrinha, transforma abóbora em carruagem. Mas ainda tem um absurdo
maior: a tal da bruxa. A Malévola não passa de uma moça ressentida por achar
que não foi convidada para uma festa. Mas a parte que ninguém mostra é que ela
foi convidada, sim! O convite apenas não chegou por motivos de que o correio do
reino é muito incompetente. Malditos serviços públicos! Extraviaram a carta da
coitada que, em um surto de raiva, chegou no meio da festa como intrusa – sendo
que seu nome estava na lista – e lançou a mim algumas injúrias. O jornal do
reino, sensacionalista e sem pudores, publicou: “Bruxa Malévola lança feitiço
em inocente princesa”. Como era de se esperar, a repercussão foi grande. Para
continuar com a polêmica, inventavam a cada dia uma nova manchete: “Para
alegria de todos, a fada madrinha Primavera suaviza feitiço”. E a notícia
seguia: “Amenizando o feitiço da bruxa má, que dizia que no dia em que completasse
16 anos, Aurora espetaria o dedo no fuso de uma roca de fiar e morreria, fada
madrinha diz que a querida princesa não morrerá, apenas entrará num sono
profundo, do qual só vai despertar com um beijo de amor sincero”. E, para
comentar isso, faltam-me até palavras. É cada situação que me colocam! Infeliz
ou felizmente, preciso tirar toda a magia que essa história inventada possui:
não existe nenhum feitiço, nem bruxas e fadas madrinhas. Muito menos príncipe
ou amor sincero. Eu, Aurora, a querida princesa, a tal da bela adormecida,
durmo muito, sim, e por períodos longos, e a explicação é simples: tenho
distúrbios de sono. Sou narcoléptica!!
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