domingo, 27 de abril de 2014

Vida percorrida

Anita tentou puxar na memória alguma memória para então perceber que não lida bem com o passado ao mesmo tempo que não acredita no presente e desconsidera o futuro. Anita jura ao cosmo que tenta simplificar seus pensamentos e a culpa é das palavras que não dão conta de cumprir com os seus significados, deixando de evitar tantas flexibilidades. Presente é efêmero, dura nem um segundo e talvez dure um milésimo que já passou. Estamos no futuro? Nesse instante seguinte àquele milésimo que acabou de ser presente e agora é passado? Anita considera que isso não a levará a algum lugar, deixa de lado essa digressão e retoma a memória.

Memória. Anita poderia lembrar de cenas confusas da sua infância, tal qual os vídeos em que era gravada e ela não entendia quem ela era – a aniversariante pequena ou a menina maior? – isso ela só foi entender anos mais tarde e a explicação era simples: a menina maior era sua prima mais velha que vestia as roupas que passavam a ser de Anita quando deixavam de servir à prima mais velha.

Anita poderia lembrar das noites em que não dormia, nem acordava, mas ficava numa inconsciência entre esses dois estados e tinha experiências que nem o céu, nem a terra, conseguiu lhe explicar. Se escolhesse lembrar disso, Anita poderia falar o quanto isso a assustava e como seu corpo ficava petrificado sem seu sistema nervoso entender que aquilo se tratava do seu eu espiritual se manifestando. Mas isso é complicado de lidar.

Anita poderia falar sobre seu coelho que fugiu – e nunca mais apareceu – na páscoa e o quanto isso é irônico e significativo. Poderia falar do seu hamster que morreu torrado no sol e seu peixe que morreu congelado no aquário, e o quanto isso é dual e contraditório.

Anita poderia falar de como se sentiu abandonada em uma viagem que sua mãe fez e a deixou em casa e explicavam a ela que sua mãe logo voltaria, só estava fazendo um curso em Faxinal do Céu e ela, criança, ficava mais tranquila pensando na atividade altruísta que sua mãe estava se propondo a fazer: se é difícil varrer a casa, imagina o varrer o céu.


Anita não quer lembrar de nada disso. Anita não pensa linear, não escreve linear, não fala linear. Mas, Anita, memória não é passado. Abre aí mais um arquivo na sua mente e intitula: lem-bran-ças, e desenha florzinhas coloridas em volta para não esquecer: a vida é feita de memórias. De passado, não. De memórias! Que são as lembranças, que são sua jornada que nada mais é que a estrada - a extensão da sua vida que você já percorreu.

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